“… derramarei o meu Espírito sobre toda carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões, e até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito…” Joel 2.28-29
Cerca de 300 pessoas, comprometidas com ações políticas transformadoras, vindos de todos os cantos se encontraram na 4ª Jornada Ecumênica nos dias 11 a 15 de novembro de 2010, em Itaici, na cidade de Indaiatuba/SP, unindo suas vozes, laços e abraços na formação ecumênica, reflexão, promoção, defesa e reparação dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca), visando o fortalecimento da cidadania, o aprofundamento da democracia e construir uma maior incidência pública e política (advocacy).
A beleza do encontro ficou por conta da diversidade de povos e tradições religiosas reunidas. A exemplo do texto motivador do profeta Joel, se fizeram presentes na Jornada, crianças, jovens, mulheres e homens de todas as idades e populações tradicionais (quilombolas e indígenas) de todas as regiões do Brasil e de outros países como Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Angola, Canadá, Colômbia, Estados Unidos, Peru e Reino Unido. Vieram trazendo suas vivências de organismos ecumênicos, igrejas, religiões de matriz africana e outras expressões de fé, organizações e movimentos sociais.
Sob o tema “Ecumenismo, Ecologia, Economia e Vida”, jornadeiros e jornadeiras se reuniram nas Rodas de Diálogos, divididos de acordo com a região de cada participante, para discutir em momentos distintos, cada um dos elementos da temática da Jornada. Nas rodas ficou premente a necessidade de se refletir mais e agir concretamente em torno das questões ecológicas, consumo consciente, valorização da economia solidária, cooperativismo, agricultura familiar, políticas públicas, redes, formação ecumênica e superação de preconceitos e intolerâncias. Alguns dos pontos amplamente discutidos na rodas de diálogos pautaram vários desafios já assumidos e outros que merecem a atenção do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI). A reflexão de um grupo de diálogo dava conta de que “há casos de intolerância religiosa, as instituições eclesiásticas são mais reticentes do que os seus membros, mesmo o CEBI que nasceu na proposta ecumênica tem se ‘catolicisado’”. Também a Rede Ecumênica da Juventude (REJU) é desafiada a favorecer a promoção da participação dos jovens das igrejas, nos movimentos sociais, como espaço de vivência ecumênica e também o envolvimento das juventudes na questão ecológica e econômica, tanto no nível de debate quanto de ações concretas.
Nos finais de tarde, jornadeiros e jornadeiras e reuniam nos Grupos Autogestores, com o objetivo de partilhar as reflexões dos Painéis e Rodas de Diálogos, construindo ações concretas nos níveis local, regional e continental, envolvendo os diversos grupos e movimentos presentes na Jornada. Destas discussões saíram várias ações e metas para as diversas regiões (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte, Nordeste e ainda Andina e Cono Sur) visando entre outras, a reflexão e ações em torno da ecologia, economia solidária, ecumenismo, educação popular e juventudes. As noites foram dedicadas aos Eventos Autogestináveis e Culturais, onde os membros de movimentos presentes aproveitaram para encaminhar suas atividades, a exemplo da Assembléia da REJU, seminários sobre “Sexualidade e Espiritualidade” e “Direitos Sexuais e Reprodutivos”, apresentações de documentários e momentos de descontração.
Os dois painéis de análise de conjuntura foram muito concorridos. O 1º Painel no dia 12, abordando o tema “Construindo a Justiça Socioambiental: Desafios Científicos, Teológicos e dos Povos”, teve a participação de Abraham Colque, reitor do Instituto Superior Ecumênico Andino de Teologia (ISEAT) e Secretário Executivo da Comunidad de Educación Teológica Ecuménica Latinoamericana y Caribeña (CETELA), Nancy Cardoso Pereira, pastora metodista e agente/assessora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Tânia Pacheco, coordenadora executiva do Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, integrante do GT de Combate ao Racismo Ambiental e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. A apresentação de Tânia Pacheco pode ser acessada no link http://racismoambiental.net.br/textos-e-artigos/tania-pacheco/a-4%C2%AA-jornada-ecumenica-e-o-mapa-da-injustica-ambiental-e-saude-no-brasil/ .
Jornadeiros e jornadeiras, representantes de movimentos sociais e governo federal se reuniram no dia 14 no 2º Painel, com a temática “A afirmação dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca) na Construção de Incidência Pública e Política”, que contou com a participação do representante do Diretório Nacional do MST, Marcelo Durão e do Ministro Chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Alexandre Padilha, além de Eliana Rolemberg (Cese) e Jorge Atílio Iulianelli (FE Brasil e KOINONIA). Por parte da família ecumênica, celebraram-se as conquistas de direitos do povo brasileiro nos últimos anos, reconhecendo, no entanto, as profundas desigualdades sociais a superar - a exemplo da reforma agrária - e a necessidade de se aprofundar a inclusão social, o cuidado com as juventudes e as gerações vindouras. Proclamou-se o compromisso de participar da promoção dos direitos humanos em todos os seus aspectos, conjuntamente com os movimentos sociais e o Estado, com a incumbência de promovê-los. Marcelo Durão, representando os movimentos sociais apontou estratégias nas diversas esferas da sociedade e escalões políticos que visam criminalizar a atuação daqueles que lutam por justiça e reparação de direitos. Já o ministro Alexandre Padilha enfatizou o diálogo com os movimentos sociais como fundamental para a efetivação de um projeto de desenvolvimento comprometido com os direitos humanos, sociais, culturais e ambientais. Segundo Padilha, é a capacidade da sociedade brasileira de construir consensos sobre as políticas que vai fortalecer o nosso desenvolvimento, apontando para exemplos disso no processo de redemocratização, de estabilização econômica e de afirmação de que outro mundo é possível no Fórum Social Mundial. Para o ministro, a última eleição deu o recado de que a população não admite a visão de um país dividido regionalmente, entre concepções religiosas ou preconceitos.
Na ocasião foi pautada uma agenda comum aos movimentos sociais que incluem: 1) o fortalecimento da participação das juventudes para o aprofundamento do processo democrático, na esfera pública do Estado e da sociedade civil, o que consiste também em desafio para a própria Rede Ecumênica da Juventude (REJU) e Rede Fale; 2) pressionar as esferas do Estado e gestar por meios próprios a realização de educação ambiental, no campo e na cidade, que valorize os saberes locais, em especial das comunidades tradicionais e das tradições religiosas nativas de matriz africana, que promovem a desmercantilização do meio ambiente; 3) somar-se a lutas concretas contra o racismo ambiental, como no caso das Barragens na Amazônia e no Rio São Francisco, ou como a dilatação do reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas; 3) promover o desenvolvimento da economia solidária, como “consumo consciente”, fortalecimento de cooperativas de banco de sementes e articulações internacionais, como por exemplo, a rede de comércio justo e solidário, articulado à luta pela Reforma Agrária e pelo direito à moradia; 4) promover o uso democrático da comunicação, por meio do acesso participativo a todos os meios de comunicação, para tornar mais democrática e contra-hegemônica a cultura produzida; 5)fortalecer as relações ecumênicas com os movimentos sociais, na promoção e defesa dos direitos humanos.
Em relação ao Estado brasileiro, as demandas e considerações da 4ª Jornada, além de pontos específicos mencionados, foram: 1) o reconhecimento e garantias do direito à terra, água e território dos camponeses da agricultura familiar, das comunidades tradicionais quilombolas que são, conforme vimos, as principais vítimas da injustiça socioambiental, sobretudo provocada pelo avanço sem controle e devastador do agronegócio; 2) maiores informações sobre o processo de votação das alterações do Código Florestal e que o governo federal se posicione em favor da não aprovação dessas alterações que conferem maior poder ao agronegócio e “eco”latifundiários; 3) que o governo brasileiro, atenda aos efeitos das mudanças climáticas, já enfrentadas no Brasil, em todas as regiões, com sérios danos às populações; 4) a criação, pelo governo federal, de mais políticas de apoio à economia solidária, também por meio da capacitação e abertura de linhas de financiamento para os bancos comunitários de semente, bem como a ampliação da Reforma Agrária; 5) a promoção do combate a todas as formas de intolerância religiosa, disponibilizando para a população materiais didáticos sobre tema, apoiando as “Caminhadas contra a intolerância religiosa” e ampliando espaços, como os já existentes no Ministério de Saúde, no caso das políticas públicas de prevenção a DST-AIDS, de conselhos interreligiosos; 6) que o Estado brasileiro, reconhecendo que 70% dos jovens do Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) advém de uma vivência e formação religiosa, fomente um maior conhecimento da presença juvenil nas comunidades religiosas e crie mecanismos de apoio a redes que promovem a participação cidadã e democrática desta juventude das comunidades religiosas.
As juventudes, convocadas pela REJU, marcaram positivamente a Jornada, tendo um papel importante nas discussões e na afirmação dos Direitos (Dhesca) e com o desafio de criar uma consciência mais efetiva acerca destes pontos, Os “Abraços de Compromisso” assumidos pelos participantes da Jornada demonstraram que a juventude assumiu os maiores desafios em torno do ecumenismo, juventudes, ecologia, economia solidária, povos indígenas, redes, incidência pública, fóruns municipais, formação política. Jovens da REJU ainda fizeram um belo manifesto das juventudes ecumênicas na celebração final, onde ofereceram outros quatro compromissos de atuação nacional para 2011, o ano internacional da Juventude: 1) realizar, em organizações pertencentes à REJU, uma campanha contra o extermínio das juventudes, tendo como agentes do processo as(os) jovens pertencentes à rede ecumênica; 2) promover uma campanha, com produção de textos e vídeos criados pelas(os) jovens, em combate à intolerância religiosa, sendo realizada em comunidades de fé e em institutos educacionais; 3) acompanhar e fiscalizar - nos conselhos e fóruns juvenis, especialmente no CONJUVE - as políticas públicas para as juventudes realizadas pelo Governo Federal; 4) articular conferências livres de juventudes em comunidades de fé, movimentos e organizações sociais e organismos ecumênicos, buscando a participação das(os) jovens ecumênicas(os) na 2ª Conferência Nacional de Juventude.
Josemar da Silva Alves - Igreja Evangélica Luterana do Brasil, IELB
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